domingo, 27 de janeiro de 2013

OBAMA, LINCOLN E OS PRECONCEITOS



Barack Obama toma posse para o segundo mandato na presidência dos EUA
A posse de Barack Obama, presidente reeleito dos EUA e o lançamento do filme “Lincoln” de Steven Spielberg, exprimem uma coincidência que de certa forma nos diz respeito.
Obama, em seu discurso de posse, ressaltou: “o que nos une como nação não são as cores da nossa pele ou os princípios de nossa fé ou as origens de nossos nomes. O que nos torna excepcionais - o que nos faz americanos - é a nossa fidelidade a uma ideia, articulada numa declaração feita há mais de dois séculos”. E prosseguiu: "Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre eles a vida, a liberdade e a busca da felicidade."
Lincoln lutou contra a escravatura negra. O filme, ora em cartaz, descreve o seu trabalho, nos últimos dias de mandato e de vida, pela promulgação da lei que libertava os escravos, justamente no final da guerra civil quando os estados do sul pugnavam pela continuação da escravatura atendendo à mão de obra que os fazendeiros da região usavam para a plantação e colheita do algodão, sua matéria prima no processo econômico.
E o que esses fatos têm a ver com o Brasil? Em 1865, ano em que os EUA libertaram os escravos, os nossos abolicionistas incentivaram a luta que vinham mantendo conseguindo que o gabinete conservador do visconde de Rio Branco promulgasse a Lei do Ventre Livre, isto em 1871. Em represália, fazendeiros, como os do Vale do Paraíba, retiraram o apoio ao imperador D. Pedro II. Além dessa luta na área diplomática aconteciam no Brasil fatores que iam da importação ilegal de escravos de origem africana, aos reclamos insistentes dos cafeicultores de que, sem os escravos, diziam-se impossibilitados de mover a base econômica do país. Muitos fazendeiros ricos compraram escravos contrabandeados, mesmo desafiando a oposição da Inglaterra que desde a proclamação da independência brasileira vinha atuando, por motivos de interesse comercial dela, contra o tráfico negreiro que era feito para os Estados Unidos, Brasil e Cuba (então possessão espanhola).( Cf. Entrevista de Tâmis Parron, à Marlucio Luna, em “História Viva”, nº 111).
A batalha contra a escravidão no Brasil ganhou impulso com a atitude (e assassinato) de Lincoln e com as medidas parlamentares que se seguiram até a Lei Aurea que afinal se tornou elemento forte para depor a monarquia.
Mas qual a lição que a História nos legou dessas lutas pela igualdade de direitos humanos? A lei assinada pela princesa Isabel teve o mesmo efeito da embasada por Abraham Lincoln mais de dez anos antes? Bem, se o presidente norte-americano acabou morto pelas mãos de um confederado escravocrata, a filha de D. Pedro II e regente do império brasileiro impulsionou a chegada da Republica que já vinha sendo arquitetada não só pelos prejudicados pela falta de negros para a lavoura, mas por outros atores com ideologia positivista e alguns que trataram do caso como situação pessoal.
Hoje, Barack Obama discursa lembrando a igualdade pregada por Deus. Embora a “religião só se tenha manifestado em termos pessoais” contra a escravidão no Brasil, o tempo trouxe reformas edificantes. Mesmo assim, se ganhamos a miscigenação que gerou o que um autor chamou de “raça brasileira”, ainda porejam preconceitos de cor. E como pediu o presidente norte-americano na sua fala contra qualquer tipo de marginalização, preconceito a etnias e orientação sexual.
O Brasil, hoje, chega a apresentar uma medida que dispõe de vagas em escolas superiores para as etnias que ainda se têm como marginalizadas. Nos EUA há uma quota para negros, latinos e de outras orientações sexuais até em indústrias & artes como o cinema.
Como a escravidão sempre representa um motivo de reação popular (felizmente a maioria contra), ainda agora se está vendo nas telas um quadro nada lisonjeiro de escravos torturados e levados a sentimento de vingança no filme “Django Livre” de Quentin Tarantino. Nesse caso, a exposição se faz antes da Guerra Civil e se detém no sul eminentemente escravocrata. O negro é não só alijado da sociedade como torturado e morto quando deixa de cumprir as ordens de seu dono. E o herói da história é um revoltado que expande seu ódio, com a exposição disso colocada de forma a contar com a participação anímica da plateia que o vê.
A escravidão contra os/as humanos/as atravessa a História. Ela se qualifica também na porfia nazista que exclui quem não pertença a uma “raça” advinda dos preceitos eugênicos que teriam formado os heróis germânicos. Felizmente a loucura do preconceito tende cada vez mais a ser considerada uma manifestação que deve ser extinta com os emblemas da diversidade social e do apoio formal. Que as falas de agora, do mandatário negro de uma nação que abrigou falange cruel de racismo como a Ku Klux Kan, e da lembrança do ilustre colega dele que no passado lutou pela liberdade étnica, sigam influenciando nações e abençoando as pessoas de boa vontade.
Quanto ao imperialismo norte-americano que se dissemina pelos discursos de paz, direito internacional e diálogo, espera-se que Obama no poder quebre a vertente belicista da ideologia do país e negue aparatos militares contra os povos. É a hora e vez de rever o processo de um outro tipo de escravidão.
(Texto originalmente publicado em "o Liberal/PA, em 25/01/2013. Imagens de http://ffw.com.br/ )

TEMPO DE CHUVA


Imagem de Belém sob chuva . Foto Katia Oliveira.


Inicio de ano marca o nosso “inverno amazônico” e o verão de outras regiões brasileiras. A estação, ou as estações, caracteriza(m)-se por períodos chuvosos prolongados e volumosos. Nas proximidades de rios/mares as precipitações atmosféricas juntam-se às altas das águas circundantes e o comum é ver na mídia escrita e televisionada as tragédias da população que vive próxima ao aumento de volume das águas.
A grande pergunta que se faz assistindo a reprise de acontecimentos ligados a desastres naturais é: por que não se tomam providencias para que essas situações não se repitam ano após ano.
Mas a situação das cheias e das intempéries naturais em cada fase do ano não é tão simples de ser avaliada. Pessoas que residem por extrema necessidade em barracos vulneráveis às intempéries respondem simplesmente às indagações de quem acha que a profilaxia dos desabrigos é a mera mudança de endereço: “não tem para onde ir”.
O retrato cruel das cheias e das destruições urbanas devido à invernada ficam expostos no exército de desabrigados lotando espaços públicos como ginásios e abrigos improvisados. E, nesses casos, entram em cena as missões de ajuda do governo, da população convocada pela mídia ou pelos abnegados grupos de auxilio comunitário, seja com alimentos, seja com remédios, seja com roupas. Tudo isso sai por um custo, tanto dos recursos do governo como das ciladas da própria natureza. E como evitar esses custos?
Qualquer solução apontada por políticos e francos “entendidos”no assunto é geralmente utópica se não baseada em estudos. A atual campanha de casas populares (o programa “Minha Casa, Minha Vida”) me parece uma ajuda interessante. Construir habitações populares em espaços isentos de perigos naturais é uma forma de minorar o antigo e sempre renovado problema. Há os críticos a esse programa, mas minha indagação é: já se perguntou aos que hoje estão contemplados o que eles acham de estarem de fora das prováveis intempéries anuais? Independente de favorecimento ideológico em torno de qualquer plano de governo considero que os que tendem a garantir certas melhorias de vida às populações devem ser reconhecidos.
Há uma literatura que menciona algumas obras que podem ser planejadas e construídas para controle das inundações no meio urbano: construção de diques, barragens e bueiros, estes últimos em casos de menor efeito. A teoria cita exemplos da Holanda e Alemanha, especialmente no primeiro país onde a superfície abaixo do nível do mar estimula o quadro. Mas há peculiaridades regionais, em termos de Brasil, onde essas estruturas não podem ser perfeitamente introduzidas. Nos lugares com morros, o deslizamento é constante nas épocas chuvosas e nas planícies, como o nosso caso, o avanço das marés é uma contingencia histórico-geográfica. As cheias sempre atingiram moradores das proximidades dos rios. Neste caso, o deslocamento de habitantes luta contra o trabalho profissional, especialmente de quem vive da pesca.
Qualificar profissionais quanto ao mapeamento dos riscos, procurar avaliar tanto em nível qualitativo como quantitativo esses riscos, e mapear as políticas já propostas para conter as inundações deveria ser uma preocupação de grande envergadura dos governantes para criar e desenvolver estratégias e ações planejadas visando o enfrentamento dos riscos.
A tese de doutorado do pesquisador Paulo Roberto Ferreira Carneiro do Laboratório de Hidrologia e Estudos do Meio Ambiente da COPPE/UFRJ, de título: “Controle de Inundações em Bacias Metropolitanas, Considerando a Integração do Planejamento do Uso do Solo à Gestão dos Recursos Hídricos. Estudo de Caso: Bacia dos rios Iguaçu/Sarapuí na Região Metropolitana do Rio de Janeiro” [Rio de Janeiro, 2008,] trata da “integração do planejamento do uso do solo à gestão dos recursos hídricos, com enfoque no controle de inundações”. Para o pesquisador, essa gestão “em regiões metropolitanas vincula-se, em grande medida, às características da ocupação e do uso do solo das bacias hidrográficas inseridas nesses territórios”.  Aprofundando o estudo do tema ele visou “elucidar os desafios  e as perspectivas para o seu gerenciamento em bacias densamente urbanizadas. Os novos arranjos institucionais em fase de implantação no país assumem papel de destaque, na medida em que poderão ocupar o “vazio” institucional deixado pelo abandono da “gestão metropolitana”. Paulo Roberto Carneiro então levanta a seguinte questão: “Que novos paradigmas de planejamento e gestão poderão emergir da articulação dos novos instrumentos de ordenamento do solo com as diretrizes da política nacional de recursos hídricos e da política de saneamento básico, recentemente aprovada?”
São essas questões que levam ao debate o assunto que estamos evidenciando aqui. A tese do professor não leva só a isso, mas propõe “alternativas que conduzam à gestão integrada em bacias metropolitanas”. Instigante na proposição, ele vai “na ferida” da situação  mostrando entre os capítulos dois interessantíssimos  “A experiência internacional no controle de inundações urbanas – tendências recentes da União Européia” e “A experiência recente no Brasil na regulação pública: dos recursos hídricos e saneamento”. Um trabalho de fôlego que aponta resultados se houver comprometimento político na situação histórica das inundações.
De qualquer forma, “fugir das águas” é matéria política de grande alcance. Serve de plataforma a muitos candidatos/as a cargos eletivos mesmo se sabendo que eles não possuem condições de resolver o caso. Para quem foi eleito e recebe os reclamos dos eleitores, a situação aposta em duas vertentes: ou jogar o problema para autoridades superiores ou se atrelar a medidas paliativas, aliando-se aos movimentos de assistencialismo assumidos por diversas fontes civis ou religiosas. Mas isso não é o certo. Pelo menos para quem ouve a fala desesperada dos atingidos por esses problemas.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, de 18/01/2013).)

sábado, 12 de janeiro de 2013

O ANIVERSÁRIO DE BELÉM


O que temos para festejar neste aniversário de Belém?

         Belém foi a cidade que me acolheu desde os 12 anos, quando fui matriculada e frequentei um colégio de freiras para continuar meus estudos deixando a minha cidade natal que ainda não dispunha desses avanços escolares. Hoje, há maiores facilidades porque existem escolas de ensino médio em todas as cidades paraenses. Antes, os pais que tinham posses, inscreviam seus filhos e filhas nos colégios da capital. Alguns eram hospedados em casa de parentes, outros, sem essa facilidade, tinham que arcar com recursos próprios para que os jovens ficassem internos em colégios particulares. Havia os semi-internatos, casas familiares que recebiam jovens interioranos.
         Desde pré-adolescente reconheci esta cidade como o espaço que me daria uma formação aspirada pelos meus pais, e nessa trajetória, os anos se passando, a aclimatação me deu oportunidade de convivio com a geografia do território onde as letras do saber mais apurado iam se acumulando e o reconhecimento sobre o cotidiano se tornava mais um ponto a dividir, em períodos de férias, com os familiares e/ou os amigos interioranos.
          É desse tempo que suponho ter passado a amar esta cidade que mais tarde se tornou o berço das minhas filhas e hoje, de netos/as e, neste ano, de um/a bisneto/a. O deslocamento residencial circunstancial entre os bairros belenenses definiu o meu entendimento sobre as políticas urbanas que se faziam de forma diferenciada reconhecendo o que era centro, médio-centro, periferia e vilas-satélites. A convivência, desde a adolescência, com essas comunidades, mostrava-me a circunscrição habitacional revelando-se áreas de moradia, de comércio, de feiras, de acumulação do lixo que era recolhido e levado para o forno cremátorio (hoje desativado), um local do bairro objetivamente chamado de Cremação criado na administração do Intendente Municipal Antonio Lemos  como medida de saneamento. Os lugares públicos como as praças ficavam sempre nas áreas do centro da cidade, efeito ainda desse processo de urbanização lemista. Casas edificadas de tipos semelhantes às imagens de residências européias mostravam o garbo de um passado que teria sido de grande riqueza e empenhado nos emblemas de títulos como o de “Metrópole da Amazônia" ou de "Cidade das Mangueiras".
            Deslocando minha trajetória escolar de uma fase de reconhecimento quase superficial para uma outra agora em nivel de pós-graduação tive acesso à história regional escrita e comentada verbalmente, à documentação sobre as políticas públicas que foram propostas, legisladas e executadas e algumas impostas durante as várias gestões no governo municipal de Belém do princípio do século XX. E desse acúmulo de informações onde o centro da minha questão eram as mulheres na política testemunhei, entre versões sobre os fatos ocorridos em ao menos três períodos histórico-republicanos, os litigios entre “príncipes” da política local que se digladiaram, com alguns arruinados e depostos sendo expulsos da cidade. A crise entre Antonio Lemos e Lauro Sodré e suas “entourages” que levou à deposição e expulsão do primeiro há cem anos (1912) demonstrou ser em decorrência de modos políticos de governar. A denúncia da oposição contra o “velho” Lemos cujo apogeu de mando se dá entre 1904-1909, mas há 15 anos no poder da cidade, se inclinava a considerar que sua gestão se realizava de forma patrimonialista e dirigida às classes sociais altas, as únicas que podiam legitimar a forma de urbanização e promoção da beleza da cidade cujo modelo ele captava do governo Pereira Passos, do RJ, e da influência européia na arquitetura das edificações. Essa denúncia gerenciava a criação de movimentos sociais chamadas de “frentes patrióticas” em forma de ligas intituladas “Liga Moral de Resistência”, “Centro de Resistencia ao Lemismo”, “Clube Democrático Lauro Sodré”, “Liga Feminina Lauro Sodré”, que objetivavam empreender campanhas que solucionassem a chamada "anarquia social", supostamente estabelecidas nacionalmente desde o período de Campos Sales, com a centralização do poder das oligarquias estaduais.
            Com a interventoria de Magalhães Barata, em uma segunda república, a gestão da cidade deu-se entre novos rumos onde as políticas do Programa da Aliança Liberal promoveram medidas de cidadania fortalecendo a base de políticas públicas para a classe operária, por exemplo, cuja situação deixou de ser tratada como “caso de polícia” para ser favorecida como “questão social”. O urbano belenense teve uma nova reconfiguração também, pois, as fábricas foram acompanhadas pelo gestor estadual que tomava para sí os desmandos de pauperização da população e as condições insalubres em que o operariado trabalhava.
             Numa Terceira República, pós-1945, a revalidação das questões sociais valorizou o espaço urbano cuja “desodorização” (termo usado por Nazaré Sarges) deixou de ser somente por uma estética plástica da cidade, mas de atenção a novos espaços de sociabilidade inter-classes sociais. Praças públicas são construidas em bairros períféricos, com a territorialidade estendendo-se para pensar em outros significados ditados pelas políticas públicas que eram exigidas pelos cidadãos, mas, implementadas segundo a vontade política do gestor.
          Hoje, o que pedimos como presente para festejar o aniversário de Belém? Que o novo gestor avalie quais programas políticos ainda estão nas gavetas e, conforme as possibilidades, implante-os, em torno de áreas como educação, saúde, saneamento, segurança e a cultura, um dos ramos mais esquecidos ainda.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA em 11/01/2013)

sábado, 5 de janeiro de 2013

A PARTIDA PARA ALÉM DA VIDA

 
Virginia Nicolau da Costa Garcia de Souza filha do casal amigo Alicinha e Tótó Nicolau da Costa e irmã de Kikica Loureiro, Mõnica e Alberto, recebeu o derrareiro chamado para estar presente em outro plano de vida ao qual todos têm de seguir, mas não nos acostumamos a ele. Faleceu no final de dezembro/2012 deixando saudosos os seus queridos familiares e amigos. Na última quarta feira fez-se a celebração religiosa para marcar sua presença de saudade. Para esse momento, sua irmã Kikika escreveu um belo texto lido por ela na missa de 7° dia em Belém. No RJ, a mensagem foi lida pela sua prima Verinha Pinheiro. Na publicação do texto de Kikika neste blog quero registrar minha profunda amizade pela familia e minha certeza de que Virginia está “encantada”, não nos deixou, como bem disse Guimarães Rosa:“O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas”.
AS PRECES DE KIKIKA

Quatro dias após ter completado 59 anos, Virgínia partiu, no dia 26 de dezembro ás 8.50 h, deixando um vazio enorme em nossas vidas. Fomos pegos de surpresa. Custei a entender o que Luis Cláudio estava tentando me dizer. Depois de tanta luta, 4 cirurgias de troca de prótese da cabeça do fêmur, 2 transplantes todos bem sucedidos, estávamos acostumados a vê-la batalhar muito, sofrer, mas,com muita garra e vontade de viver, sair bem sucedida. Em se tratando de saúde, nada era fácil para ela.

A renitente hepatite C a acompanhava desde os seus 23 anos, quando teve que se submeter a algumas transfusões de sangue para poder viajar p N York onde faria seu tratamento para leucemia.

Após seu transplante de medula, doada pelo Alberto, ficou totalmente curada da leucemia, mas a hepatite continuou lá. Fez tratamento por mais de dez anos para negativá-la sem ter êxito. Vinte e quatro anos depois foi submetida ao primeiro transplante de fígado, em Pittsburg, com sucesso. Estávamos cientes que Virginia teria q fazer um novo transplante de fígado, pois a hepatite já tinha feito estrago no novo fígado, mas suas funções hepáticas estavam administradas. O maior impasse era que o problema de sua perna não conversava com o do fígado. No dia 17 de novembro passado, em razão de complicações na sua recente cirurgia de troca da prótese da cabeça do fêmur, foi inscrita na fila de transplante para um novo fígado. Onze dias depois, com um gesto generoso, amoroso, corajoso e nobre Bianca doou 2/3 de seu fígado a sua tia querida. Dificílima cirurgia, por se tratar de um retransplante, entretanto, mais uma vez ela venceu. Todos os dias ocorriam intercorrências diferentes, mas, com a maestria e competência do Dr. Paulo Chapchap e sua equipe, tudo se resolvia. Dr. Paulo foi incansável. De uma dedicação e carinho para com ela inesgotáveis.

A vida foi para com Virgínia, madrasta, mas, paradoxalmente, minha mana querida era cheia de vida, luz e alegria. Adorava comemorações. Não eram festas, como ela dizia, e sim celebração de vida. Tudo era motivo para ser comemorado e razão também para a família se reunir. As 2 comemorações que estavam sendo planejadas eram seu aniversario, no último dia 22, que, 5 dias após o transplante, fez o seu amigo/irmão Manoel telefonar para o cabeleireiro, maquiador e Mazô (banqueteira) para deixar agendado o dia 22 para um almoço, e os 60 anos de casados de papai e mamãe, no próximo dia 18 de março, que ela estava organizando fazer uma noite à portuguesa, com cantores de fado e tudo o mais.

Virginia era uma pessoa de personalidade forte, opinativa, determinada, amorosa, caridosa, agregadora e também um pouco autoritária, o nosso general. O seu interior, todavia, não era bem interferir em nossas vidas e sim uma constante preocupação com a família, parentes e amigos. O seu benzinho, como ela chamava carinhosamente Luis Cláudio, deixava-a esbravejar e no final, inteligentemente, fazia do jeitinho que ele queria.

Esta era sua maior virtude, se importar com as pessoas. No mundo de hoje, que não se tem tempo para nada, muito menos ouvir os problemas dos outros, ela se interessava em saber sobre todos. A distância para nós nunca foi problema. Apesar de nós, os 4 irmãos, vivermos longe um do outro, sempre fomos muito unidos. Ela falava c papai e mamãe ao telefone 5 vezes por dia. Tudo que pudesse facilitar a vida deles ela providenciava. Papai chamava- a de minha filhinha. Ela se dizia a preferida do papai e com certeza tinha mérito para tal, pois era imbatível. Comigo e Mônica, dia sim dia não, nos falávamos. Alberto estava morando em S Paulo há 5 anos e estavam sempre juntos. Ela dizia que cuidava mais dele do que ele dela. Na realidade, ela cuidava de todos nós. Era muito presente em nossas vidas. Ligava para as sobrinhas, queria saber dos namorados, ligava para os tios, para suas amigas do colégio Moderno, seu xodó, André Carrapatoso, David Abud, e as "coroas", como carinhosamente chamava Lila, Marisa, Mizinha, Lea e Regina. Sempre tinha uma palavra de incentivo e de força para aqueles que passavam por momentos difíceis de saúde como o que ela passou.

Além de sua família, seus sogros e sua cunhada Mariza, que sempre a apoiaram incondicionalmente, ela tinha uma legião de fieis amigos em S Paulo, como Chica Halley, Manoel Bragheroli , Maria Antônia Civita, Moshe e Suzy Sendacs, Laura Gillon, etc. Ela sabia cultivar suas amizades. Como ela me ensinou, ela regava seu jardim. Seus médicos eram todos seus amigos, freqüentavam sua casa e faziam viagens juntos, a exemplo do Dr. Paulo Fontes, Sérgio Simon, Paulo Chapchap e Edmundo

Foi muito feliz. Seu companheiro, Luis Claudio, foi um marido maravilhoso, muito seu amigo, que esteve ao seu lado em todas as situações e não mediu esforços para vê-la sempre bem.

Num dos emails recebidos após sua partida, um especialmente chamou- nos atenção, pois demonstra bem a bela e rara história de amor que os dois viveram. A pessoa relata que Virginia não só dedicou um profundo amor ao Luis Cláudio como também lhe deu oportunidade de fazer desabrochar nele a real e rara dimensão altruísta, como retribuição ao amor a ele dedicado, o que Luis retornou dizendo que tudo era em retribuição ao que recebia de amor, luz e vida.

Mas quis Deus leva-lá para mais pertinho Dele. Estava precisando de um anjo lá no céu. Sua árdua missão aqui na terra já terminara.

Sempre aprendi que o nosso Pai maior, com sua infinita bondade, sabe o que faz. Pecadora que sou, pois sou humana e falível, só Ele não falha, fico me questionando e querendo saber o porquê das coisas e porque uma pessoa tão boa como Virginia, que só fez o bem, só deu amor, luz e vida tenha passado por tantas provações.

Perdoe- me meu Deus por ser pecadora. Rogo ao Senhor para que ela seja um espírito de muita luz e parta em paz. E a nós seus familiares e amigos que aqui ficamos que o Senhor no dê força e conformação para suportar a ausência física prematura da nossa tão amada Virginia.

Vai em paz mana querida. Tu sempre serás para nós exemplo de força, coragem, superação, determinação, bondade e dignidade.Longe dos olhos mas muito perto dos nossos corações.

Kikika

 

PAGADORES DE PROMESSAS


 

Um pôster norte-americano pede que se vote em “Mr. Nobody” (Sr. Ninguém) “porque Ninguém faz o que promete”. O objeto de ironia revela o disparate internacional dos regimes democráticos onde se vê e ouve candidato a cargos majoritários prometendo a seus eleitores o que nem sempre é possível cumprir.

Neste novo ano em que os eleitos nos municípios brasileiros assumem seus postos é hora dos que lhes propiciaram a representação aos cargos cobrarem o que prometeram em campanhas. E muitos desses eleitores compreendem que é impossível exigir tanto. Querem ao menos um pouco desse tanto.

O comum nas lutas eleitorais é repisar benefícios sobre uma tríade obviamente importante: saúde, educação e segurança. Certamente ninguém trabalha sem saúde, sem educação não se ganha o que se entende no outro espaço da tríade que é segurança nas ruas e nos lares. Mas se tratar desses itens requer recursos muitas vezes impossíveis de serem locados a contento é comum promessas de projetos faraônicos, obras imaginosas que se destinam a impressionar os/as eleitores/as.

As anedotas sobre projetos basicamente inviáveis lotam os espaços que vão dos jornais e revistas aos sites e à literatura de cordel. Não é anedota, mas um candidato a um posto municipal chegou a prometer uma ponte sobre o oceano. Os pescadores e os turistas agradeceriam. O que é muito difícil é achar quem meça a sua pretensão e se fosse comparado a um romeiro no nosso Círio estaria apenas portando uma gravura de Nossa Senhora. Este se arriscaria a perder votos. A simplicidade parece ser desconhecida pelos que confundem um politico com um santo. Ou mesmo um anjo.

Finda as eleições e empossados os eleitos, o comum é um discurso que prega a restrição de verbas para diversos investimentos. Observando de perto a realidade do erário público, o eleito sabe que muito do que disse ou mesmo prometeu em campanha é impossível de ser realizado.

Os eleitos respondem não só por preferência pessoal do eleitor como de uma opção contra o que esse eleitor, queria ver fora do páreo, ou seja, incapaz de satisfazer o seu objetivo (seja dele, eleitor, seja de quem se lança à candidatura). E há um grupo intermediário que se guia pelo comodismo ou pela absoluta negação de ideais, achando que não é possível melhorar o cenário administrativo e sim piorar o ruim. É o grupo que atende às ditaduras. Lembro que o cineasta Claude Lellouch colocou uma frase em um de seus filmes em que sentenciava essa postura: ” O melhor dos regimes é uma ditadura mas as pessoas inteligentes não querem ser ditadoras”.No Brasil, nós tivemos a Era Vargas onde o ditador era saudado até nas apoteoses de teatros de variedades onde cantavam elevando o seu retrato, a marcha carnavalesca de Haroldo Lobo e Marino Pinto “Retrato do Velho” (na voz de Francisco Alves). Atraente das massas por eloquência verbal e medidas como o salario mínimo (além de pressões e violência), Getúlio foi alvo do humorismo menos contundente. A índole do brasileiro permanece otimista mesmo com a moderação causada em tantas dificuldades (e crueldades se viajarmos ao tempo de repressões drásticas). Se pesquisarmos o repertorio da música popular em tantos anos encontraremos composições alusivas a quase todas as fases da política – das eleitorais às do período de governo – algumas até mesmo, driblando a censura, no caso, na época dos militares que estiveram em cena por mais de vinte anos.

Mas se os eleitos populares pagaram suas promessas de campanha é outro ritmo. O mais “faraônico” de nossos presidentes, JK, cumpriu Brasília e estradas utópicas em seu tempo como a que liga a nova capital à nossa Belém (entre tantas outras coisas). Se tudo estivesse no cardápio da campanha seria visto como ficção. Como ficção amarga foi a reforma moral saudada por Jânio Quadros e sua vassoura. Proibir biquíni ao invés de tratar de assuntos básicos é uma forma de como se falar de bobagens antes de se atacar prioridades.

E as prioridades estão sendo mostradas diariamente através dos canais de televisão aberta sobre a situação em que as cidades se encontram em termos de saneamento básico, esgotos, lixo, falta de água, luz, carência de médicos nos pronto-socorro e/ou irresponsabilidade de plantonistas ausentes dos hospitais colocando em risco a vida das pessoas necessitadas de atendimento. Não só no Pará, mas em todas as cidades os habitantes estão implorando aos novos governantes que ataquem primeiramente as carências da comunidade em seus planos emergenciais. Que se alinham em grandes expectativas pelo que supõem de mudança ao avaliarem os novos mandatários da gestão municipal.

Desempenhando as suas funções por meio de um aparelho administrativo, o poder executivo municipal constitui-se de secretarias, departamentos, serviços, etc., além de autarquias, fundações e empresas estatais que tendem a orientar as especificidades locais considerando as necessidades de bens e serviços públicos, como prioridades da gestão.

Hoje a cultura cidadã engloba novos conhecimentos e pede substancia. Que se ataque o mais sério, o mais viável. E cultura está no âmago da tríade básica. Sem ela seriamos anônimos títeres de um mundo potencialmente malvado.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA de 30/12/2012)