segunda-feira, 28 de maio de 2012

OLYMPIA: 100 ANOS DA HISTÓRIA SOCIAL DE BELÉM


RE-LANÇAMENTO DO LIVRO: OLYMPIA: 100 ANOS DA HISTÓRIA SOCIAL DE BELÉM

NA FOXVIDEO, DIA 31/05 A PARTIR DAS 18H.

 Partes da história do cinema Olympia, o mais antigo do país considerando-se que jamais mudou de endereço e /ou interrompeu suas atividades por muito tempo, ganhou um livro por ocasião de seu 100º aniversário. Este livro abrange, por continuidade, uma parte da historia social de Belém em um século. Lançado no dia 24 de abril último, quando a tradicional sala festejou sua invejável idade, vai ganhar um novo lançamento no próximo dia 31/05, na FOX VIDEO (Tv Dr. Moraes), a partir das 18 horas.
Organizado por Pedro Veriano e Luzia Álvares com o apoio do IAP,  o livro abriga textos de diversos intelectuais & espectadores do querido cinema da Praça da Republica.

sábado, 26 de maio de 2012

TEMPO & CASAMENTO


Maio conjuga-se a junho relacionando romances e casamento.
Conhecido no Brasil como “o mês das flores”, maio tendia a ser recordista de nupcias e durante muito tempo justificou o número expressivo de nascimentos no menor mês do ano, fevereiro. Coincidentemente, nesse mes comemora-se o dia de São Velentim, um bispo romano que lutou contra as ordens do imperador Claudio II que priobiu casamentos durante as guerras supondo que os soldados solteiros eram mais eficientes. Valentim casou-se secretamente e por isso foi preso. Na prisão conheceu uma jovem cega, filha de um carcereiro, por quem se apaixonou e restituiu-lhe milagrosamente a visão. Antes de ser executado, ele escreveu à jovem amada assinando: “Seu Namorado”.

Canonizado pela Igreja Católica, o bispo deu margem a que na maioria dos países ocidentais o Dia dos Namorados fosse o 14 de fevereiro, data de sua morte. Houve analogia com festas na Roma antiga em honra a Juno, deusa da mulher e do matrimonio. No Brasil, a transferência para 12 de junho ocorreu em função de ser véspera do dia de Sto Antonio, tido como “santo casamenteiro”.
Semana passada os jornais publicaram o alto indice de divorcios contra o numero bastante inferior de casamentos no nosso Estado. A expressividade do fato requer uma análise do nucleo familiar nos novos tempos.

O divórcio no Brasil foi oficializado na emenda constituicional nº 9 de 28/06/1977, regulamentada pela Lei 6515 de 26/12 do mesmo ano.O termo vem do latim “divortium”que quer dizer separação. É uma das formas de dissolver o matrimonio (no caso, o civil, visto que o religioso, especialmente o católico, não considera isso), com a outra sendo a morte de um dos cônjugues.

Antes do divórcio, os casados que não mais afinassem seus sentimentos & razões recorriam ao “desquite” que era uma separação sem quebra do vínculo matrimonial. Apelando para este recurso, os casados se separavam, mas não podiam casar de novo, obviamente com outros parceiros. Mesmo assim, não se via o desquite com tanta frequência nos primeiros anos do século passado. O que acontecia era que os casados “se aturavam” quando o amor morria (se é que realmente chegava a existir). Havia ainda uma forma de separação bizarra que definia o puritanismo de um tempo: se a mulher não fosse virgem, o marido podia pedir a anulação do casamento logo em seguida à noite nupcial. E neste caso ele podia casar com outra. E ela, ficava mal vista socialmente.

A inspiração em S. Valentim não chega a ser um modelo do casamento ideal posto que o próprio bispo, quando casado e preso, chegou a ter outro amor. Mas nos planos culturais do passado a mulher, principalmente, era educada para seguir os contos de fadas onde o parágrafo final, sobre um plano de casamento da heroina com seu principe dizia “...e foram felizes para sempre”. Interessante observar que a subserviência da mulher implicava em casos dramaticos como o do casamento por encomenda, ou seja, da união patrocinada pela ordem paterna (ou materna) com vistas, quase sempre, a “um futuro melhor” para quem, no entender dos genitores, representava a segurança da filha quando eles morressem. Ou, principalmente, o modo de assegurar bens até para eles próprios, aquinhoados da fortuna do genro. Na área politica aconteciam os “casamentos de estado”, ou seja, a união de familias nobres como forma de associar coroas. Na historia brasileira os nossos dois imperadores casaram-se com damas de outras cortes a seguir o fortalecimento da coroa.
Quem viveu, como eu, os anos 1950/60, quando o casamento era precedido do namoro e do noivado, a observação das mudanças processadas desde o final dessa ultima decada, onde surgiu a chamada contra-cultura com a liberdade sexual, é flagrante. Hoje a virginidade deixou de ser um parâmetro para que se processasse “sem receios” uma união entre homem e mulher especialmente das classes média e alta. Não se diz mais “namorou”, mas “ficou”. Há diversidade na orientação sexual, conjugam-se novos verbos e a melhor definição de comportamento está nas comédias romanticas surgidas na literatura ou no cinema quando o beijo é precedido por uma cena de alcova.

Os metodos anticoncepcionais tambem ajudaram na nova forma de união. A jovem “se previne” no encontro intimo com seu namorado. Por isso, as estatisticas tambem informam a queda de nascimentos na região. E não se diga que isso é previlégio da tecnologia farmacêutica: antes havia chance de controle da natalidade (a camisinha, por exemplo, vem da Grecia antiga quando era usada bexiga de peixe como matéria do invólucro preservativo). O casal tinha filhos (e muitos) porque conscientizava que havia casado para procriar, levando em conta postulados religiosos. E muitas mulheres se sujeitavam à gravidez de risco com receio de contrariar suas crenças e “aborrecer” familiares e marido.

Hoje a mulher, assim como o homem, opta por seu estado civil sem pensar que um dia muitas de suas ancestrais já viveram uma “alcova obrigatória”, imposta por conveniências. Mas o amor romântico sempre foi de todos os tempos. Contudo, a pergunta que se faz, na liberação de tabus, é onde ficou o romântico da vida em comum. Quantos casais no correr dos anos continuam amantes? Anos atrás Roberto Martins e Mario Rossi compuseram a valsa “Bodas de Prata”, gravada por Carlos Galhardo, que entendia 25 anos de casamento como uma gloria do amor longevo. Vivia-se menos é verdade. Mas o certo é que o amor não tem idade nem se alimenta de preconceitos.

(Publicado originalmente em "O Liberal", de 25/05/2012)

[1] Luzia Álvares é doutora em Ciência Política.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

A HORA DA VERDADE


 
Está instalada no Brasil, desde a última quarta feira, 16/05, a Comissão da Verdade, com indicação, pela Presidente Dilma Rousseff, de sete pessoas que iniciarão os trabalhos de investigar violações de direitos humanos cometidos entre 1946 e 1988. Para alguns houve um atraso de mais de 30 anos após a ditadura militar (1964-1985) na instauração desta comissão que em paises da América Latina, como os vizinhos Argentina e Chile, começaram esse procedimento logo no início do processo democrático pós-regime militar. Para outros seria uma “caça as bruxas” de um tempo que até hoje ficou “mal resolvido” na memória dos familiares dos desaparecidos no período, mas, e principalmente, são fatos silenciados pela mídia e retidos nas mentes dos que viveram a época e ainda estão amedrontados de serem injuriados. Mas este processo de revisão de fatos do passado no tempo presente vem desde a década de setenta com a primeira instalada pelo governo de Uganda, em 1974. Até 2010, 39 comisssões dessa natureza formaram-se nos quatro continentes.
           Um olhar para trás vê-se que desde o período de 1979 a 1985 no Brasil criou-se, clandestinamente, o projeto Brasil Nunca Mais, desenvolvido por Don Paulo Evaristo Arns, o Rabino Henry Sobel, o Pastor presbiteriano Jaime Wright e equipe, procurando sistematizar informações sobre os anos de repressão no país, gerando um documento com mais de mil páginas contidas em 707 processos do STM, num período de 1961 a 1979. Este documento encontra-se no  Arquivo Edgard Leuenrouth na UNICAMP, sendo um dos mais pesquisados. Contudo, o registro constitui-se num manifesto da sociedade civil diante de fatos desvelando perseguições, assassinatos, desaparecimento de pessoas torturadas nas delegacias e unidades militares mantidas pelo aparelho repressivo do Estado.

O debate mais efetivo no Brasil iniciou-se a partir de 2007 (em governos anteriores houve alguns ganhos) sob o tema da “Justiça de Transição” (JT), ocupando a agenda política de vários Ministérios. Trata-se, então de uma postura de procedência oficial do Estado. Embora historicamente seja um processo estabelecido no momento que um regime autoritário dá lugar a um novo sistema que passa a se estabelecer com princípios e valores democráticos, na verdade, o seu amadurecimento no vértice estatal só se tornou propício nesse momento, incentivado por normas fundamentais e medidas legais que objetivaram a contribuição para o esclarecimento da verdade em torno das violações ocorridas nos períodos políticos conflitivos. Com o Plano Nacional de Direitos Humanos-3, organizado pelas discussões sistemáticas sobre vários temas, pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, em dezembro de 2009, o eixo  “Direito à Memória e à Verdade” tornou-se um dos principais pontos da política dos Direitos Humanos no país, favorecendo o lançamento de uma “Comissão Nacional da Verdade” (cf. Cartilha A Comissão da Verdade no Brasil – NPMP/SP www.nucleomemoria.org.br )

O funcionamento da “Comissão da Verdade” tem prioridades: o processo testemunhal das vitimas arbitrariamente tratadas que terão possibilidade de revelar a sua própria versão dos fatos, e não somente a versão dos perpetradores das violências que se constituiu na chamada “história oficial”; identificação e reconhecimento dos participantes dessas ocorrências, tanto dos que sofreram como dos que promoveram essas violências; produção de um relatório sobre tudo o que será levantado, permitindo à sociedade brasileira conhecer uma parte de sua história até hoje não esclarecida cujos detalhes ainda se acham silenciados.  

Assim, o primeiro objetivo dessa Comissão é  descobrir, esclarecer e reconhecer abusos do passado, dando voz às vítimas”. Um segundo é o combate à impunidade visto que ao desvendar as responsabilidades do passado cria-se a possibilidade de uma nova política pública mais transparente, “na relação entre o poder político, militar ou policial e a população em geral”. “Restaurar a dignidade e facilitar o direito das vítimas à verdade” é um objetivo traduzido em rupturas sobre lembranças de humilhação e violência sofridas e que ainda hoje se encerram em estados de terror, humilhação e vergonha aos que sofreram aviltamento. Assim sendo, quebrando os silêncios com o restabelecimento das histórias particulares, essas pessoas desenvolvem valores de dignidade e respeito por si próprias instalando-se o reconhecimento em geral sobre este período. Um terceiro objetivo é  acentuar a responsabilidade do Estado e recomendar reformas do aparato institucional”. O que isso recomenda? É que ao tomar ciência de todos os fatos, pelo relatório elaborado sobre os arbítrios cometidos, o Estado se encarregará de reformar as instâncias institucionais da Justiça e da Segurança Pública.

Um penúltimo objetivo é o de contribuir para a justiça e a reparação dos casos identificados de arbitrio e violação.  Os fatos apontam para a prática de muitos países de usarem o relatório final das Comissões para instrumentalizar a Justiça na aplicação de ações civis e/ou penais contra os que violaram os direitos humanos. Isso será uma meta, sem dúvida. Mas a presidente Dilma Rousseff foi clara no seu discurso contrariando os equívocos neste paticular, ao referir: “Ao instalar a Comissão da Verdade não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições”.

Assim, nesse eixo objetivado, estabelecer a reparação seja individual ou coletiva através de políticas públicas aos que foram tratados arbitrariamente será a meta final de uma lei que tende a garantir ao Brasil, o seu momento de avanço democrático.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, em 19/05/2012)





quinta-feira, 17 de maio de 2012

INSTALAÇÃO DA COMISSÃO DA VERDADE



O DISCURSO DE DILMA ROUSSEFF
NA INSTALAÇÃO DA COMISSÃO DA VERDADE
 A presidente Dilma Rousseff assinou nesta quarta-feira (16) a instalação da Comissão da Verdade, em cerimônia oficial no Palácio do Planalto. Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor e José Sarney participaram do ato.
A íntegra do discurso:
Senhor Michel Temer, vice-presidente da República, senhores ex-presidentes da República: senador José Sarney, ex-presidente da República e presidente do Senado Federal; senhor Fernando Collor de Mello, ex-presidente da República; senhor Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República; senhor Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente da República; deputado Marco Maia, presidente da Câmara dos Deputados, ministro Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal, senhor Dipp Lângaro, aliás, desculpa, Gilson Lângaro Dipp, representante membro do Supremo [Superior] Tribunal de Justiça, e representante aqui da Comissão da Verdade, senhoras e senhores ministros de Estado aqui presentes.

Eu cumprimento todos ao cumprimentar a Gleisi Hoffmann, da Casa Civil; o José Eduardo Cardozo, da Justiça; o Luís Inácio Adams, da Advocacia-Geral da União; e a Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos; e o embaixador Celso Amorim, da Defesa. Senhores ex-ministros da Justiça: Fernando Lyra, senador Aloysio Nunes Ferreira, senador Renan Calheiros e o integrante da Comissão da Verdade, que foi responsável pela fala que dá início a esta cerimônia, que é José Carlos Dias. Queria cumprimentar também os senhores e senhoras senadores aqui presentes, ao saudar o senador Eduardo Braga, líder do governo no Senado Federal. Cumprimentar as senhoras e senhores deputados federais, cumprimentando o deputado Arlindo Chinaglia. Cumprimentar também o senhor Roberto Gurgel, procurador-geral da República, o ministro João Oreste Dalazen, presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
Cumprimentar aqui também o senhores comandantes das Forças: almirante Júlio Soares de Moura Neto, da Marinha; general Enzo Martins Peri, do Exército; brigadeiro Juniti Saito, da Aeronáutica; general José Carlos De Nardi, do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas. Senhoras e senhores membros da Comissão da Verdade Cláudio Fontelles, Gilson Lângaro Dipp, José Carlos Dias, José Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa Maria Cardoso da Cunha. Queria cumprimentar todos os prefeitos aqui presentes saudando o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati. Cumprimentar o coordenador residente das Nações Unidas no Brasil, Jorge Chediek. Cumprimentar o senhor Amerigo Incalcaterra, representante regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, por intermédio de que cumprimento todos os demais representantes de Organismos Internacionais. Cumprimentar todas as senhoras e senhores representantes de entidades de defesa dos direitos humanos, senhoras e senhores familiares, senhoras e senhores jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas.
Senhoras e senhores.
Eu queria iniciar citando o deputado Ulysses Guimarães que, se vivesse ainda, certamente, ocuparia um lugar de honra nessa solenidade.
O senhor diretas, como aprendemos a reverenciá-lo, disse uma vez: "a verdade não desaparece quando é eliminada a opinião dos que divergem. A verdade não mereceria este nome se morresse quando censurada." A verdade, de fato, não morre por ter sido escondida. Nas sombras somos todos privados da verdade, mas não é justo que continuemos apartados dela à luz do dia.
Embora saibamos que regimes de exceção sobrevivem pela interdição da verdade, temos o direito de esperar que, sob a democracia, a verdade, a memória e a história venham à superfície e se torne conhecidas, sobretudo, para as novas e as futuras gerações.
A palavra verdade, na tradição grega ocidental, é exatamente o contrário da palavra esquecimento. É algo tão surpreendentemente forte que não abriga nem o ressentimento, nem o ódio, nem tampouco o perdão. Ela é só e, sobretudo, o contrário do esquecimento. É memória e é história. É a capacidade humana de contar o que aconteceu.
Ao instalar a Comissão da Verdade não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições.
O que fazemos aqui, neste momento, é a celebração da transparência da verdade de uma nação que vem trilhando seu caminho na democracia, mas que ainda tem encontro marcado consigo mesma. Nesse sentido... E nesse sentido fundamental, essa é uma iniciativa do Estado brasileiro e não apenas uma ação de governo.
Reitero hoje, celebramos aqui um ato de Estado. Por isso, muito me alegra estar acompanhada por todos os presidentes que me antecederam nestes 28 benditos anos. Por isso, muito me alegra estar acompanhada por todos os presidentes que me antecederam nestes 28 benditos anos de regime democrático.
Infelizmente, não nos acompanha o presidente Itamar Franco, a quem rendo as devidas homenagens, por sua digna trajetória. Por sua digna trajetória de luta pelas liberdades democráticas, assim como pelo zelo com que governou o Brasil, sem qualquer concessão ao autoritarismo.
Cada um de nós aqui presentes --ex-presidentes, ex-ministros, ministros, acadêmicos, juristas, militantes da causa democrática, parentes de mortos desaparecidos e mesmo eu, uma presidenta-- cada um de nós, repito, é igualmente responsável por esse momento histórico de celebração.
Cada um de nós deu a sua contribuição para esse marco civilizatório, a Comissão da Verdade. Esse é o ponto culminante de um processo iniciado nas lutas do povo brasileiro, pelas liberdades democráticas, pela anistia, pelas eleições diretas, pela Constituinte, pela estabilidade econômica, pelo crescimento com inclusão social. Um processo construído passo a passo, durante cada um dos governos eleitos, depois da ditadura.
A Comissão da Verdade foi idealizada e encaminhada ao Congresso no governo do meu companheiro de jornada, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem tive a honra de servir como ministra e a quem tenho o orgulho de suceder. Mas ela tem sua origem, também, na Lei da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, aprovada em 1995, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Naquela oportunidade, o Estado brasileiro reconheceu, pela primeira vez, a sua responsabilidade pelos mortos de desaparecidos sob sua custódia. Pelos mortos de desaparecidos sob sua custódia durante o regime autoritário.
No entanto, é justo que se diga que o processo que resultou na Comissão da Verdade teve início ainda antes disso, durante o mandato do presidente Fernando Collor, quando foram abertos os arquivos do DOPS de São Paulo e do Rio de Janeiro, trazendo a público toneladas de documentos secretos que, enfim, revelados representaram um novo alento aos que buscaram informações sobre as vítimas da ditadura.
O Brasil deve render homenagens às mulheres e aos homens que lutaram pela revelação da verdade histórica. Aos que entenderam e souberam convencer a nação de que o direito à verdade é tão sagrado quanto o direito que muitas famílias têm de prantear e sepultar seus entes queridos, vitimados pela violência praticada pela ação do Estado ou por sua omissão.
É por isso, é certamente por isso que estamos todos juntos aqui. O nosso encontro, hoje, em momento tão importante para o país, é um privilégio propiciado pela democracia e pela convivência civilizada. É uma demonstração de maturidade política que tem origem nos costumes do nosso povo e nas características do nosso país.
Tanto quanto abomina a violência e preza soluções negociadas para as suas crises, o Brasil certamente espera que seus representantes sejam capazes de se unir em torno de objetivos comuns, ainda que não abram mão, mesmo que mantenham opiniões divergentes sobre outros temas, o que é normal na vida democrática.
Ao convidar os sete brasileiros que aqui estão e que integrarão a Comissão da Verdade, não fui movida por critérios pessoais nem por avaliações subjetivas. Escolhi um grupo plural de cidadãos, de cidadãs, de reconhecida sabedoria e competência. Sensatos, ponderados, preocupados com a justiça e o equilíbrio e, acima de tudo, capazes de entender a dimensão do trabalho que vão executar. Trabalho que vão executar - faço questão de dizer --com toda a liberdade, sem qualquer interferência do governo, mas com todo apoio que de necessitarem.

Quando cumpri minha atribuição de nomear a Comissão da Verdade, convidei mulheres e homens com uma biografia de identificação com a democracia e aversão aos abusos do Estado. Convidei, sobretudo, mulheres e homens inteligentes, maduros e com capacidade de liderar o esforço da sociedade brasileira em busca da verdade histórica, da pacificação e da conciliação nacionais.
O país reconhecerá nesse grupo, não tenho dúvidas, brasileiros que se notabilizaram pelo espírito democrático e pela rejeição à confrontos inúteis ou gestos de revanchismo.
Nós reconquistamos a democracia a nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais, muitos deles traduzidos na Constituição de 1988.
Assim como respeito e reverencio os que lutaram pela democracia enfrentando bravamente a truculência ilegal do Estado, e nunca deixarei de enaltecer esses lutadores e lutadoras, também reconheço e valorizo pactos políticos que nos levaram à redemocratização.
Senhoras e senhores,
Hoje também passa a vigorar a Lei de Acesso à Informação. Junto com a Comissão da Verdade, a nova lei representa um grande aprimoramento institucional para o Brasil, expressão da transparência do Estado, garantia básica de segurança e proteção para o cidadão.
Por essa lei, nunca mais os dados relativos à violações de direitos humanos poderão ser reservados, secretos ou ultrassecretos. As duas --a Comissão da Verdade e a Lei de Acesso à Informação-- são frutos de um longo processo de construção da democracia, de quase três décadas, do qual participaram sete presidentes da República. Quando falo sete presidentes é porque estou incluindo por justiça, e porque o motivo do nosso encontro é a celebração da verdade, o papel fundamental desempenhado por Tancredo Neves, que soube costurar, com paciência competência e obstinação, a transição do autoritarismo para a democracia que hoje usufruímos.
Transição é imperativo que se lembre aqui conduzida com competência, habilidade e zelo pelo presidente José Sarney, que o destino e a história puseram no lugar de Tancredo, e que nos conduziu à democracia.
Mas, mesmo reconhecendo o papel que todos desempenharam, não posso deixar de declarar o meu orgulho, por coincidir com meu governo o amadurecimento de nossa trajetória democrática. Por meio dela, o Estado brasileiro se abre, mais amplamente, ao exame, à fiscalização e ao escrutínio da sociedade.
A Lei de Acesso à Informação garante o direito da população a conhecer os atos de governo e de estado por meio das melhores tecnologias de informação.
A transparência a partir de agora obrigatória, também por lei, funciona como o inibidor eficiente de todos os maus usos do dinheiro público, e também, de todas as violações dos direitos humanos. Fiscalização, controle e avaliação são a base de uma ação pública ética e honesta.
Esta é a razão pela qual temos o dever de construir instituições eficientes e providas de instrumentos que as tornem protegidas das imperfeições humanas.
Senhoras e senhores,
Encerro com um convite a todos os brasileiros, independentemente do papel que tiveram e das opiniões que defenderam durante o regime autoritário. Acreditemos que o Brasil não pode se furtar a conhecer a totalidade de sua história. Trabalhemos juntos para que o Brasil conheça e se aproprie dessa totalidade, da totalidade da sua história.
A ignorância sobre a história não pacifica, pelo contrário, mantêm latentes mágoas e rancores. A desinformação não ajuda apaziguar, apenas facilita o trânsito da intolerância. A sombra e a mentira não são capazes de promover a concórdia. O Brasil merece a verdade. As novas gerações merecem a verdade, e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia.
É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la. Atribui-se a Galileu Galilei uma frase que diz respeito a este momento que vivemos: "a verdade é filha do tempo, não dá autoridade."

Eu acrescentaria que a força pode esconder a verdade, a tirania pode impedi-la de circular livremente, o medo pode adiá-la, mas o tempo acaba por trazer a luz. Hoje, esse tempo chegou.
 http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2012/05/16/

sexta-feira, 11 de maio de 2012

AS MÃES, UM DIA E AS REPRESENTAÇÕES


Cravos brancos representam o presente de Anne Jarvis às Mães

     Nesta semana, a voz corrente entre os membros das famílias, e, principalmente, em tom de animação e evidências de sedução aos consumidores nas mídias sociais, é sobre o dia das mães.
     A maioria das pessoas desconhece a gênese deste evento e embarca, mesmo assim, na profusão de “mensagens” dos meios de comunicação, considerando o sentido do afeto representado pelo objeto a comprar para sua mãe (há, contudo, pessoas que criam seus meios de mostrar a afeição).
    Em meu tempo de criança ou jovem esse emblemático dia não era motivação familiar, nem havia festividades na escola pública onde estudei. Muito tempo depois, quando cheguei a Belém lembro essa inclusão em meio a outras datas. Não no colégio que frquentei, haja vista que o mês de maio, em todas às escolas religiosas de Belém, era tido como o “mês mariano”, ou seja, era dedicado à Maria, mãe de Jesus, com manifestações religiosas. Tratava-se de um evento propiciando o desenvolvimento da espiritualidade e conscientização de cada uma das meninas internas, às medidas de seu bom comportamento ou de incentivo à solidariedade aos conviventes diários.
      Mas como jornalista investigativa gosto sempre de saber a origem das coisas. E para o dia das mães achei interessantes motivações para o que hoje o comércio absorveu como “um grande negócio”, uma das datas que para ele é tratada em percentuais: “este ano as vendas estão 30% maiores do que no ano anterior”, e por ai vai o esforço para seduzir até o último instante o seu ou a sua freguês/a de última hora.
   Na gênese das comemorações da “maternagem” está a mais antiga evidência extraída da mitologia grega: Rhea, a mãe dos deuses, era celebrada com a entrada da primavera. Entre os romanos esse tipo de celebração era em homenagem a Cibele, mãe dos deuses romanos (entre os dias 15 e 18 de março), com duração de três dias. Nos primórdios do cristianismo, a festividade se tornou religiosa homenageando a Virgem Maria, mãe de Jesus. (creio que era isso o que faziam nos colégios de freiras, como exposto acima).
     Outro registro é do início do século XVII, na Inglaterra, que dedicava o quarto domingo da Quaresma às mães das operárias. As trabalhadoras tinham folga nesse dia ficando em casa com suas mães. O chamado "Mothering Day", originou o "mothering cake", ou seja, um bolo era preparado para os festejos.
     Dos EUA surgem dois eventos para essa promoção. O primeiro, no século XIX (1872), teria sido sugestão da escritora, abolicionista, ativista social e poeta Júlia Ward Howe, autora de "O Hino de Batalha da República" dedicado à Guerra de Secessão.
    O mais conhecido, entretanto, é a campanha de outra norte-americana, Anna Jarvis, no Estado da Virgínia Ocidental. Em 1905 morre sua mãe, uma lutadora das causas sociais, que ajudava as famílias cujas mães sofriam de tuberculose, era contra a guerra civil norte americana, e, também, organizou um clube de mães para socorrer soldados feridos. A filha Anna entra em depressão e para tirá-la daquele estado emocional, suas amigas idealizaram uma festa para perpetuar a memória da mãe. Esse episódio motivou-a a abraçar uma causa estendida a todas as mães vivas ou mortas, para marcar a lembrança das crianças e levá-las às homenagens devidas, objetivando, também, o fortalecimento dos laços familiares e o respeito aos pais. Uma luta que durou três anos para a criação oficial dessa data, com a primeira edição em 26 de abril de 1910, sendo incorporada ao calendário de comemorações do estado da Virginia Ocidental, pelo governador William E. Glasscock. A adesão dos demais estados foi uma sequencia contínua. E em 1914, Woodrow Wilson (1913-1921) então presidente dos Estados Unidos, estabeleceu o Dia Nacional das Mães a ser comemorado no segundo domingo de maio, uma sugestão da própria Anna Jarvis. A celebração propagou-se em mais de 40 países.
Mas o que era para ser um evento de celebração afetiva com a oferta de cravos brancos simbolizando a maternidade e por isso ofertado às mães, tornou-se um comércio, pois, a dádiva de Jarvis que a cada ano enviava 500 cravos à igreja de Grafton, passou a ser comercializada, desagradando-a. Disse ela então: "Não criei o dia das mães para ter lucro". Então, durante anos ela tentou modificar esse aspecto, liderando, em 1923, uma campanha contra o comércio exacerbado dessa data, mas pouco conseguiu.
     Como se vê, a luta contra a comercialização do dia das mães vem de sua gênese. Se antes os cravos brancos simbolizavam pureza, fidelidade, amor, caridade e beleza e eram doados, hoje, cada filho ou filha na medida de suas posses oferece à mãe um objeto adquirido nas casas comerciais. Às vezes obedece ao reconhecimento do que a mãe está mais precisando em casa e vê essa oportunidade para presenteá-la. O problema é que de repente o presente é uma geladeira, um conjunto de pratos e/ ou coisas de casa. O que é isso? Pergunto: quem se homenageia então nesse dia, é a mãe ou é a casa de um modo geral, a cozinha, a sala, o quarto? Se desvincularmos o modelo secularizado da “mãe dona de casa” sem dúvida demonstraremos de outra forma o nosso afeto a elas. E certamente rompe-se com a cultura patriarcal aliada ao comércio que usa expedientes desconectados do sentido que deu Anna Jarvis à lembrança de sua mãe.


(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA, em 11/05/2012)

sábado, 5 de maio de 2012

AS BASES POLÍTICAS E OS ACORDOS


Brizola Neto, o novo Ministro do Trabalho, e a Presidenta Dilma Rousseff.

      Entre situações marcadas por polêmicas e as evidências de que algo de novo está ocorrendo mundialmente, estão, na ordem do dia, as estatizações deflagradas por países sul-americanos (Argentina e Bolívia), a instalação da CPMI do Cachoeira, e a nomeação, pela Presidente Dilma Rousseff, do novo Ministro do Trabalho, Deputado Brizola Neto, do PDT. Cada um desses casos envolve um estudo aprofundado de expertises de várias áreas, principalmente da ciência política em seus vários setores, contudo, este enfoque opinativo admite o interesse em dar sua versão sem grandes prolegômenos. Uma conversa informal revela-se mais prolífica do que dezenas de páginas sobre dado fato em certas áreas de convivência. E na imprensa atual, o requisito é ser objetivo e restrito ao número de palavras a preencher um espaço específico, pois, caso contrário, duas coisas ocorrem: o editor corta o excedente e/ou o leitor se desinteressa pelo que lê devido o pouco tempo para administrar diariamente sua agenda (esse, aliás, outro assunto interessante para o toque semanal).
Não é de hoje que as estatizações são parte de acordos nacionais com vistas a quebrar o monopólio de empresas privadas passando estas a ser propriedade pública do país onde se acham instaladas explorando determinado recurso natural, auferindo lucros sem se importar em criar benefícios onde se acha implantada. Pode ser uma ação política de Estado com o objetivo de este tornar-se majoritário na participação da exploração desses bens, com o setor público passando a ter maior ingerência na economia. O caso da Argentina em privatizar YPF (Yacimientos Petroliferos Fiscales), a maior empresa de hidrocarbonetos do país, que havia sido privatizada em 1999, tem essa finalidade, ou seja, absorver maiores lucros internos e tentar recuperar a gestão de relevantes setores da economia nacional, com melhorias dos serviços prestados aos cidadãos argentinos. A polêmica nesse país mostra-se de bom tamanho, com a mídia classificando essa decisão da Presidente Cristina Kirshner de “injustificada”, “irracional”, “populista”, “ideológica”, “demagógica” enquanto a população desmente esses epítetos. Segundo uma pesquisa nacional Poliarquia realizada por consultores para o jornal portenho La Nacion, “seis em cada dez argentinos apoiam a estatização da YPF”, embora haja fortes críticas à política energética argentina, considerando a presidente responsável principal pelo declínio dessa produção no país (cf. http://brasil247.com). Cristina Kirshner tem o apoio do Congresso. Há considerações a conta desse fato, segundo a mídia: a grande dependência do país em relação à produção de gás e petróleo. Do outro lado, a Rapsol suspeita de que a privatização da empresa espanhola foi devido à confirmação de produção de gás e petróleo da bacia de Vaca Muerta. Como se vê, há versões da cada lado que só uma pesquisa mais incisiva exporia a situação entre as duas partes. Mas há quem observe a imagem negativa do país no exterior perdendo a confiança de grupos empresariais interessados em investimentos.
No caso da Bolívia, Evo Morales tem dado evidências de que seu governo quer ser marcado pela melhoria das condições de seu povo há muito explorado em suas riquezas naturais. E até o Brasil já teve que se explicar em relação aos baixos custos que deixava naquele país e os lucros da Petrobras. Mas isso foi acertado exemplarmente pelos governos dos dois países. Os fatos recentes demonstram a nacionalização de quatro empresas de energia, como estratégias de Estado para manter o controle sobre a sua própria economia: a Corani, controlada em 50% pela Inversiones Ecoenergy Bolivia, subsidiária da francesa GDF Suez; a Guaracachi, da britânica Rurelec PLC com participação de 50%, a maior geradora de eletricidade do país. As empresas locais privatizadas: a Valle Hermoso, pertencente à holding empresarial boliviana Panamerican Investments; e a distribuidora Empresa de Luz y Fuerza Eléctrica de Cochabamba (Elfec), cujos proprietários eram um grupo de trabalhadores e executivos bolivianos (http://g1.globo.com/).
A CPI do Cachoeira já constituída formalmente tem sido marcada por novas personagens a partir de extração de conversas gravadas e sistematicamente ouvidas, sempre demonstrando as ingerências de um contraventor no meio político e partidário onde não escapam nem figuras do judiciário. O primeiro a cair foi o Senador Demóstenes Torres seguindo-se vários outros nomes com parcerias espúrias onde a troca de benesses e influências pessoais até para cargos políticos embolavam na mesa de negociações entre supostos “fichas limpas” sujando a moralidade em nome de uma riqueza privada. De milhões de reais recebidos a cargos políticos com mandatos na ordem do executivo e legislativo passaram pelo crivo de Cachoeira. Esse processo vai expor quais medidas serão tomadas contra essa promiscuidade do tráfico de influência, uma das peças-chave dos “fichas-sujas”. Os brasileiros vão aplaudir as punições e continuar a denunciar quem investe nos bastidores no “tabuleiro” do jogo político. Doa a quem doer.
     A posição da Presidente Dilma Rousseff em indicar o deputado federal Brizola Neto do PDT para o Ministério do Trabalho está sendo vista como fora dos acordos de apoio entre esse partido e os interesses políticos do governo. A queixa é de que o novo Ministro não representa uma indicação das lideranças do PDT, tornando-se uma peça aleatória das alianças necessárias à base governista. Como disse o jornalista Antonio Lassance: “Para quem olha o cenário político com as lentes da teoria do presidencialismo de coalizão, a escolha de Brizola Neto para o Ministério do Trabalho tem um quê de heresia.” A surpresa fica a conta da necessidade da base governista em seduzir os aliados para conter os trânsfugas, ao que se percebe, mais atrelados à política do “toma lá dá cá“, considerando que essa regra ainda funciona. E a presidenta concorda? 

(Texto originalmente publicado em "O Liberal"/PA de 04/05/2012)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

E O TRABALHO, COMO VAI?


Quadro de Tarsila do Amaral (1933) - Dia do Trabalho

A escolha de 1°de maio como “O Dia do Trabalho” veio de uma greve acontecida em Chicago (EUA), no ano de 1886, com a consequente repressão policial que mereceu um revide e, com isso, a morte de manifestantes e de repressores. O motivo da greve se deu pela luta por diminuição da jornada de trabalho de 13 para 8 horas diárias. Movimentos semelhantes aconteceram na Europa.
Um dia de celebração e homenagens para o/a trabalhador/a é uma conquista que se mantém pelo simples fato de ecoar a voz dos que reivindicam seus direitos laborais. Antes do levante em Chicago, o operariado trabalhava 13 a 14 horas/dia e o número de mulheres era expressivo embora estas recebessem um salário menor do que o dos homens. Em Paris, a Segunda Internacional instituiu o mesmo dia (1° de maio) como data máxima dos trabalhadores organizados que lutavam pelas mesmas causas. A Rússia foi o primeiro país a criar o feriado nesse dia.
No Brasil foi em 1924, governo de Arthur Bernardes. Mas na Era Vargas, o motivo genético de comemorar uma data do trabalhador foi esvaziado transformando-se em eventos festivos com o que era denominado de “festa cívica”. Mesmo assim, foi melhor do que em Portugal quando, no governo Salazar, o tema (e data) foi proscrito só retornando à pauta nos anos 1970, depois da introdução de um regime democrático. Explica-se este temor dos governantes de direita pela idéia circulante de que se tratava de”coisa de anarquista ou de comunista”. Na verdade, àquela altura, o movimento operário se articulava nessas tendências, na social-democrata e “trabalhista”, cada uma delas tendo como indicativo de luta a melhoria das condições de trabalho e a diminuição da jornada extensiva a que eram submetidos os trabalhadores.
Getúlio Vargas no poder (1930-1945) usou a data para lançar suas medidas de proteção ao trabalhador, devidamente alardeadas e que fizeram a popularidade do ditador a ponto de incentivar a sua volta à presidência (1951-1954) quando já havia sido reinstituída a democracia no país. A marchinha carnavalesca “Bota o retrato do velho outra vez/bota no mesmo lugar...” era voz corrente nas rádios e entre a população, incentivando o eleitorado a votar usando as benesses que ele havia criado.
Os militares governantes pós-1964 não aboliram o 1° de maio como “festa comunista” seguindo a fobia por tudo o que era voltado ao operário sugestionado com as críticas à categoria de que as reinvidicações eram “coisa de esquerda” para desestabilizar o país. Mas a manifestação passou a ser um feriado como tantos outros, envolta em eventos festivos que propagassem os feitos oficiais.
Mesmo com as reivindicações do “dia do trabalho” as condições da mulher trabalhadora não mudaram totalmente no que se refere à diferença de remuneração com o parceiro. As pesquisas do IBGE apontam a continuidade deste gênero em uma dupla jornada, ou seja, ela continua nas lides caseiras e assume o exercicio profissional fora de casa acumulando atividades. Isto se soma aos atrativos da modernidade que implicam em automatização da cozinha, à lavagem de roupa etc. Mas também se invoca a terceirização de serviço e a classe média brasileira apoia-se na empregada domestica e esta, por sua vez, ganha padrões inexistentes, antes, na classe menos favorecida, como carteira profissional assinada pelo patrão, descanso semanal obrigatório e horário de 8 horas com extra se mais for exigido.
Contudo, o quadro diferencial entre o trabalho da mulher e do homem ainda aponta diferenças. Hoje, este gênero conseguiu exercer funções antes só assumidas pelo sexo masculino, até mesmo em áreas impensadas no passado não muito longínquo. Quanto à diferença salarial, que este ano conseguira uma grande conquista referente a equiparação imposta às empresas com punição para as que não obedecessem a lei, pelo que se lê na revista Carta Capital de 09 de março do corrente subsidiada por uma reportagem publicada pela Folha de S.Paulo, “o governo desistiu de sancionar o projeto de equiparação salarial entre gêneros para a mesma função em uma empresa (...)”. Outro órgão de imprensa (Gazeta do Povo, 04/04/2012) ao considerar que “a proposta de igualdade salarial entre gêneros é legítima” afirma que  “...numa análise mais apurada, é possível prever que esse projeto não se sustentará, primeiramente por ser redundante, haja vista que a CLT já prevê a isonomia salarial para pessoas que desempenham a mesma função”. O outro problema alegado é o da dificuldade da comprovação da infração, haja vista que os “cargos da iniciativa privada estão em constante transformação”. Espera-se que esses elementos da área constitucional reafirmem o que diz a nossa Carta Magna que até o momento não respaldou os direitos de igualdade para as trabalhadoras.
Quer seja ou não “dia do trabalho”, as conquistas femininas em vários âmbitos estão sendo convertidas em políticas públicas e assentadas em significativas bases devido às pressões desse gênero por seus direitos. Dentre as conquistas mais evidentes da mulher no mundo moderno encontramos a chefia política do executivo. No nosso país só tivemos uma governante do sexo feminino, assim mesmo por vaga familiar, quando a princesa Isabel assumiu o posto do pai viajante, D. Pedro II. Agora, com Dilma Rousseff, encontramos uma pesquisa de popularidade recorde, o que ressalta o valor feminino num âmbito antes impensado pela carga de preconceito.

(Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 27/04/2012)