terça-feira, 28 de setembro de 2010

COMO VOTAR PARA DEPUTADO

Jairo Nicolau

(Coluna publicada no O Estado de São Paulo, quarta-feira, 22/09/2010)

Já recebi quase uma dezena de e-mails com seleções das cenas mais bizarras do horário eleitoral deste ano. O conjunto é quase sempre grotesco e desanimador. Antes tínhamos acesso às campanhas dos candidatos de nosso Estado. O YouTube ampliou enormemente nossas opções. Podemos assistir a performances de candidatos de mais 26 Estados.

Não dá para dimensionar os efeitos negativos destes vídeos sobre uma avaliação geral sobre a política e a atividade parlamentar. Nos resta apenas esperar mais uns dias para observar o perfil dos eleitos, e para sabermos se houve um aumento do números de votos em branco e nulos. Preocupante, por enquanto, somente a informação trazida pela pesquisa do Datafolha, feita em nove Estados, sobre a intenção de voto para deputado. A pouco menos de um mês para as eleições (a pesquisa foi feita nos dias 7 e 8 de setembro), apenas 1/3 dos eleitores já havia escolhido seu candidato.

Na semana passada, perguntei a um grupo de estudantes universitários se eles sabiam quais eram as regras para apuração dos votos para deputado. Quase todos responderam que os mais votados do Estado são os eleitos. Em um Estado como São Paulo, com uma bancada de 70 deputados na Câmara, os 70 mais votados seriam escolhidos. Eles ficaram surpresos quando disse que estavam errados.

Mas por que será que quase todas as pessoas imaginam que seja assim? Minha desconfiança é de que a lógica das eleições majoritárias para os cargos do Executivo acaba contaminando a visão dos eleitores. Se durante a campanha os deputados pedem votos para si como fazem os candidatos para presidente, governos de Estado e senador, e se no momento de votação, diante da urna eletrônica, os eleitores quase sempre votam em nomes e assistem a seus retratos aparecerem na tela, é natural que tenhamos a impressão que o sistema é semelhante: o candidato mais votado para governador fica com a vaga; os mais votados para o Legislativo são eleitos.

O que poucos eleitores sabem é que o sistema eleitoral utilizado nas eleições para Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa é o proporcional. Neste sistema o mais importante é saber quantos votos cada partido (ou coligação) recebeu.
Quando digita os números dos candidatos a deputado estadual e federal, os eleitores não imaginam a quantidade de detalhes que afetam o "destino de seu voto". Vejamos alguns deles.

1. Se você anula ou vota em branco, seu voto não tem nenhuma serventia na distribuição das cadeiras. A urna eletrônica traz um botão verde que permite ao eleitor votar em branco. O botão é uma herança do período (até 1996) que os votos em branco eram considerados para a distribuição das cadeiras. Para anular o voto é preciso digitar um número inexistente (tarefa difícil, com tantos partidos e candidatos). Apesar da diferença, os dois votos têm o mesmo destino: são ignorados para a distribuição das cadeiras.

2. Se você vota em um determinado candidato, este será somado ao de outros candidatos do mesmo partido (ou coligação). O voto para cargos do Executivo e para senador não é transferível. Vai para aquele nome e ponto. Nas eleições para deputado, um voto é agregado aos de outros nomes da lista (que pode ser um partido ou coligação).

Os eleitores, quase nunca, conhecem os detalhes das coligações eleitorais. Por isso o espanto quando foi divulgada a informação de que os votos do candidato Tiririca (o mais bizarro da temporada) será agregado aos votos do PT e do PCdoB. Não tem jeito: o mais doutrinário comunista será ajudado pelos votos do candidato abestado; e vice-versa.

3. Se você vota na legenda, seu voto é somado aos votos dos candidatos que pertencem àquela legenda. Caso o partido esteja coligado, entram na conta os votos dos candidatos e o voto de legenda de outros partidos.
Muitos eleitores acreditam que a melhor maneira de ajudar a um partido é votar na legenda. Se o partido estiver coligado, é a pior. No exemplo acima, pense no destino do voto dado na legenda do PT. Serviu para aumentar a bancada da coligação. Mas não ajudou particularmente ao PT.

4. Se o partido que você votou não atingir um mínimo de voto (o quociente eleitoral), ele não pode receber nenhuma cadeira.

O quociente eleitoral é o resultado da divisão dos votos válidos (dados em candidatos e legenda) dividido pelo número de cadeiras. Pelas minhas contas, o quociente eleitoral para deputado federal em São Paulo este ano deve ser de cerca de 300 mil votos.

Um partido que, por exemplo, obtenha 290 mil votos está fora da distribuição das cadeiras. Esses votos têm o mesmo destino dos anulados e deixados em branco: não servem para nada.

5. Você pode votar em um candidato que recebeu muitos votos e ele pode não se eleger; enquanto outro com muito menos votos é eleito.

O sistema procura distribuir as cadeiras proporcionalmente aos votos dos partidos (e coligações). Não garante que nomes que individualmente obtiveram muitos votos serão eleitos. Nem que nomes com poucos votos não possam entrar. O Prona, partido de Enéas, elegeu o deputado Vanderley Assis em São Paulo (2002) com 275 votos.

Exemplos extremos como o do deputado do Prona acabam confundindo ainda mais os eleitores. Como vimos, grande parte deles pensa que utilizamos um sistema majoritário na disputa para a Câmara dos Deputados.

Todos os anos o TSE apresenta durante a campanha peças publicitárias chamando a atenção para a responsabilidade da escolha nas eleições para deputado. São as campanhas pelo voto consciente. Talvez valesse a pena esclarecer os eleitores sobre o "destino" do voto. Como vimos, um aspecto está associado a outros. A campanha poderia ter a seguinte premissa: vote consciente para deputado, mas saiba para onde está indo o seu voto.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA & POLÍTICAS

A problemática da violência contra as mulheres, no Brasil, tem sido um tema de denúncias diárias, na mídia, mas ainda não ouvi a opinião dos candidatos/as em pleno processo eleitoral.

Foi a partir da pesquisa-ação de feministas e acadêmicas no final da década de 1970 que esse problema veio à tona. Fortaleceu-se quando a ONU adotou parâmetros estratégicos contra os abusos discriminatórios apoiando os reclamos desses movimentos, fazendo vigorar medidas protetivas em favor das mulheres vitimas de violência doméstica.

A mini-série da TV-Globo “Quem ama não mata”(1982) reproduziu este slogan criado pelas feministas que foram às ruas para protestar contra os assassinatos de mulheres pelos seus companheiros e namorados, a primeira manifestação pública contra a impunidade nesses casos. Nesse instante evidenciou-se a situação do play-boy Doca Street julgado em outubro de 1979 pelo assassinato de sua companheira Ângela Diniz. Os argumentos utilizados contra a vítima foram de ser culpada por “denegrir os bons costumes”, ter vida “desregrada”, ser “mulher de vida fácil”. O acusado foi condenado a 15 anos de cadeia, cumpriu um terço da pena em penitenciárias no RJ, ganhou liberdade condicional e desde 1997 nada deve à Justiça (Grossi,1994:474).

Criou-se, nesse ano, a “Comissão Violência Contra a Mulher” cuja primeira atividade foi sair em defesa de cinco recepcionistas do “Jornal do Brasil” que haviam sido demitidas por terem denunciado o assédio sexual de um editor. Essa Comissão, entretanto, pontuou suas atividades contra a impunidade de maridos que matavam suas companheiras sendo considerados “crimes contra a honra” e acobertados legalmente pela justiça devido aos parâmetros do Código Civil vigente.

Entre os anos de 1980 e 1990, ampliaram-se as discussões e ações dos movimentos de mulheres que desde 1970 denunciavam o problema, sendo possível localizar os diferentes tipos de violência que acometiam as mulheres.

Das diversas Conferências Mundiais sobre a Mulher e resoluções votadas pelos órgãos internacionais evidencia-se a preocupação com “a igualdade plena de gênero e a eliminação da discriminação por motivos de gênero”, insurgindo-se como um ponto de discussão sobre os direitos humanos das mulheres. O marco histórico desse reconhecimento se realizou na Convenção de Viena (1993) quando, no Fórum Paralelo à Conferência Mundial de Direitos Humanos, instala-se um Tribunal de Crimes contra as Mulheres, com as vítimas denunciando o que sofreram. Pela primeira vez ecoa a frase: “os direitos das mulheres também são direitos humanos”, sendo crime contra a humanidade, qualquer tipo de violência contra esse gênero.

Várias ações mundiais têm sido deflagradas desde então propiciando a promoção dos direitos das mulheres e, em termos de Brasil, medidas protetivas têm resultado do esforço dos movimentos em parceria com o Estado brasileiro para o tratamento da violência domestica como problema social e de saúde pública. Criam-se grupos de denúncia aos crimes e de amparo às vitimas como os Conselhos da Condição Feminina, as Delegacias de Defesa da Mulher e as casas-abrigo.

Na área acadêmica o assunto tem levado a reflexões que ampliam a conscientização social de que a violência doméstica não se dá por episódios de embriaguez ou doença mental como justificativa, mas pela cultura da submissão aos papéis domésticos ainda forte nas relações de gênero.

Em 2006 o enfrentamento à violência domestica no Brasil contabilizou uma nova Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha que além do impacto nestes primeiros anos de vigência representa uma das mais importantes conquistas dos movimentos de mulheres. Contudo, não é possível dizer que haja consenso na aplicação da lei que veio reformular medidas legais e procedimentos da área jurídica de forma mais efetiva. O fenômeno hoje é tipificado como crime e as reações são vistas de vários aspectos. Há críticas dos que atendem à promoção dos direitos humanos, dos estudiosos das questões sociais e de representantes do sistema judiciário.

Com a aplicação da LMP houve mudanças do tratamento legal da situação de violência doméstica devido a uma série de exigências procedimentais na sua instauração com uma re-novação do papel do Judiciário afim deste adequar-se à criação dos Juizados Especializados, de Núcleos de Defensoria Pública e do Ministério Público, de serviços de uma equipe multidisciplinar das Varas do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Foram revistos os procedimentos dos Centros de Referência já existentes, das Casas-Abrigo e das DEAMS.

A cada 15 segundos uma mulher sofre violência doméstica A freqüência do delito evidencia a extrema necessidade de se tratar o assunto com presteza e rigor. É uma bandeira que deve ser erguida pelos atuais candidatos/as a cargos eletivos.


( Texto originalmente publicado em "O Liberal" de 23/09/2010)

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

AS CAMPANHAS DECIDEM O VOTO?

Campanha eleitoral é um conjunto de estratratégias organizadas para a exposição do desempenho dos partidos e de seus candidatos/as diante do eleitorado, em busca de angariar votos.

No próximo dia 3 de outubro, 135.804.433 eleitores/as brasileiros/as estarão a postos, para sufragar os/as candidatos/as que concorrem nestas eleições gerais aos cargos majoritários e proporcionais e que foram “passados a limpo” em sua avaliação. Inúmeros motivos têm sido levantados para verificar o comportamento desse eleitor/a na hora da decisão do voto.

Há estudos demostrando que em países do chamado primeiro mundo (EUA, Inglaterra, Alemanha) somente 25 a 30% do eleitorado acompanha e se interessa por temas políticos. Este percentual é muito menor nos países de baixo indice sócioeconomico ou emergentes, como o Brasil, considerando-se também o baixo nivel de informação, baixo interesse partidário e de atividades nesse campo, salvo o ato de votar que tem cunho obrigatório e, nas democracias eleitorais, se assenta como nivel de participação ativa. Assim, os estudos feitos para avaliar os parâmetros do eleitor médio em torno da política oferecem uma representação do desinteresse que este tem por esta prática. Mas é preciso notar que a visão ampla da política está centrada numa única área, que é a eleitoral. O conceito de política é muito mais abrangente do que restritivo.

No que é possivel observar, a população das cidades e dos municipios é sacudida por informações bem mais diretas dos partidos e candidatos locais nos períodos de eleições, quando o assedio pessoal e midiatico se torna estratégico para conquistar votos. A estranheza é que não há encontros regulares com o/a eleitor/a ao longo de quatro anos quando alguns estão com mandatos. E aqui entram os mecanismos mais enfáticos da personalização política, bombardeando o eleitorado de informações sobre feitos, defeitos e não-feitos de concorrentes dos partidos da situação e da oposição. A propaganda de uns exaltando suas qualidades e benfeitorias e de outros desfazendo o mérito dos que dizem ter realizado este ou aquele benefício para o povo em gestões presentes ou passadas, às vezes se torna uma arma de dois gumes, sendo vista como evidência de publicidade para cativar eleitores e não para prestar contas das realizações ou apresentar programas do que será realizado numa vitória do/a candidato/a. Já ouvi depoimentos de pessoas que estão assistindo ao programa eleitoral gratuito no rádio e na TV considerando que tudo o que dizem os competidores não passa de propaganda vazia encarada sem crédito mais objetivo de re-avaliar a decisão a tomar para mudar ou apoiar o voto a ser sufragado.

Na década de 1940, um estudo dos cientistas políticos Lazarsfeld e Katz (Universidade da Columbia/EUA) considerava “o fluxo de informação em dois graus signifi[cando] que muitas pessoas recebem a sua informação de maneira indireta e que muitas delas validam e incorporam o que leram ou ouviram somente depois de haver trabalhado este material com outras pessoas”. É possivel, então, que muitos/as brasileiros/as estejam acompanhando “en passant” o noticiário da política real do país, mas sejam ou estejam sendo “sacudidos” pelos emblemáticos discursos que ouvem através da televisão ou pelas mensagens (positivas sobre uns, negativas sobre outros) que recebem de amigos ou dos próprios partidos via internet. O choque dessas informações vai acioná-los para terem melhor conhecimento dos fatos e assim considerar mais racionalmente a decisão do voto.

Para medir a "razão" da escolha do voto do eleitor para a câmara dos deputados, entre os internautas que acessam o seu blog, Jairo Nicolau (http://eleicoesemdados.blogspot.com ), professor do IESP/UERJ, apresentou algumas frases situando variáveis como: voto ideológico, partidário, personalizado, regional, em grupos de interesse, em branco, nulo ou outros. O script com maior percentual até o momento é o personalizado (34%), seguindo-se o idelogico (27%) e o partidário (20%).

Esse resultado ratifica a tradição do modelo de voto no Brasil (personal vote) e deixa exposto o que se está levantando em torno das campanhas serem um vetor de estratégias montadas pelos/as candidados/as usando novas ferramentas de comunicação (marketing, pesquisas de opinião) tecnologias variadas (bandeirolas, banners, faixas e cartazes), discursos nas midias (twitter, blogs, orkut) sobre sua trajetoria na política e na gestão de governo. Procuram impactar as escolhas fornecendo atalhos cognitivos sobre a sua prática política. Estes atalhos, como diz Popkin (1994), “poupam os eleitores de, constantemente, procurar por fatos políticos relevantes”.


(Publicado em "O Liberal" em 16/09/2010)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

COTAS PARTIDÁRIAS DE GÊNERO

Setenta e oito anos nos separam da aprovação legal do direito do voto feminino no Brasil. Um histórico constrangedor definiu o cerceamento desse direito embora as mulheres entrassem na luta desde 1891, para que fossem tratadas em nivel de igualdade nesse estatuto de cidadania política. Isto não quer dizer que muito antes elas deixassem de se insurgir contra outras arbitrariedades quer nas relações de trabalho, quer na sua entrada nas escolas, ou procurando denunciar que os valores tradicionais que circulavam na sociedade mais ampla colidiam com a aspiração de serem tratadas como cidadãs de primeira categoria.

Ao longo desse tempo em que a participação política ampla fortaleceu a insurgência dos grupos sociais e identitários que eram excluidos dos direitos sociais, políticos e civis, as mulheres, enfrentando a dupla jornada de trabalho, criaram uma terceira via de atividade e questionaram a ausência de sua representatividade nos parlamentos e em espaços de decisão, além de outras áreas em que a democracia eleitoral enfatizava o jogo de poder político.

Com o processo de ampliação do eleitorado, ruptura de regras eleitorais que inibiam a participação feminina na competição por cargos parlamentares houve avanço no número de mulheres que se dispunham a concorrer nas eleições. Num estudo que fiz em 2004 com levantamento dos números absolutos e percentuais de candidaturas e eleitos/as em nivel de Brasil, desde 1946 até 2002, para os dois cargos (CD e AL) vê-se a evolução do número de mulheres nesses espaços parlamentares, inicialmente inexpressivos. Em 1946, por exemplo, de um total de 1.675 (98,9%) candidatos para a Câmara de Deputados, somente 18 mulheres, ou seja, 1.1% se dispôs a concorrer. Nenhuma foi eleita nesse ano.

Para as Assembléias Legislativas, as eleições ocoreram somente em 1947, o total de candidatos era de 1.343 (99.4) incluindo-se 8 (0.6)mulheres e destas sendo eleitas. A publicação integral e cronológica desse quadro daria uma posição significativa da evolução de candidaturas femininas e eleitas ao longo destes quase oitenta anos de competição eleitoral entre as mulheres.

As marchas e contramarchas do regime político brasileiro mostravam certa incipiência da presença das mulheres nesses cargos. O mundo todo sofria essa dificuldade de inclusão. Conforme estudos da Inter-Parliamentary Union (IPU) as atividades parlamentares entre os países aumentaram desde o fim da Segunda Guerra Mundial. De 26 parlamentos em 1945 para 187 em 2005, o crescimento da representação feminina ampliou-se de 3% para 16,2% de deputadas, respectivamente, crescimento vitalizado com a realização da IV Conferência Mundial sobre a mulher, em Pequim, em 1995, que investiu nas políticas de empoderamento desse gênero.

É nesse ano, no Brasil, que a legislação eleitoral 9.100/95 ao estabelecer “normas para a realização das eleições municipais de 3 de outubro de 1996”, fez vigorar a lei de cotas dispondo um percentual de 20% a ser destinado às candidaturas partidárias femininas nas eleições proporcionais, em âmbito municipal.

Com a Lei 9.504/97, as cotas partidárias adquirem conteúdo universal, ao prever a destinação de no mínimo 30% e no máximo 70% para as candidaturas de ambos os sexos às eleições proporcionais nos três ambitos - municipal estadual e federal. Um dispositivo transitório para as eleições de 1998 considerou os percentuais de 25 e de 75%, respectivamente.

Em 2009, uma Comissão Tripartite formada por representantes do executivo, do parlamento e membros da sociedade civil, se propôs a intervir nos debates que ocorriam no Congresso Nacional, no momento da discussão da mini-reforma eleitoral. Debates sobre pontos focais da questão levaram à aprovação da Lei 12.034/2009, incluídos os artigos beneficiários para o aumento do número de mulheres no parlamento como: “alteração do artigo que regulamente as cotas, com a obrigatoriedade do preenchimento das vagas, e não mais apenas uma reserva; a obrigatoriedade de utilização de no mínimo 5% dos recursos do Fundo Partidário para a promoção da participação política das mulheres; e reserva de pelo menos 10% da propaganda partidária gratuita para as mulheres dos partidos políticos” (Relatório, p. 3).

O resultado deste novo evento legal sobre as cotas de gênero que antes dava ao TSE uma equação pouco rígida à obrigatoriedade de punição aos partidos políticos, favoreceu outro olhar para as candidaturas femininas. O fato do não preenchimento do mínimo legal nestas eleições/2010 levou o Ministério Público Federal (MPF) a denunciar partidos e coligações que não preencheram o percentual mínimo de vagas para candidaturas de mulheres, sendo julgados e deferidos pelo TSE todos os recursos, determinando que a legislação devesse ser cumprida. Para o Procurador do TRE/PA Daniel Avelino: “A decisão do TSE mostra que a posição do MPF está certa: esse percentual mínimo deve ser retirado do número de candidatos que o partido realmente apresentar, sendo calculado não sobre o número máximo de candidatos que se pode registrar, mas sim sobre os efetivamente registrados”. Assim, em nosso Estado, devem atender à determinação para garantir percentual mínimo de candidaturas de mulheres, os seguintes os partidos e coligações: Coligação Cresce Pará (PRB/PDT/PSB/PV/ PC do B); Coligação Por um Pará Mais Unido (PTN, PSC, PTC, PT do B); Coligação PPS/PSDC/PMN/PRTB/PRP; e PR; PDT, PRB, PSOL, PSB e PTB.

Como se vê, o termo preencher conseguiu reverter cálculos partidários e normas da justiça eleioral que definiam o modo como deveria ser calculada a reserva de vagas.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

MIDIAS & ÉPOCAS

Antes do advento da TV e dos meios de pesquisa de opinião pública, o relacionamento dos candidatos (raras candidatas) a cargos eletivos com os eleitores era feito através dos comícios em praça pública, do rádio e dos jornais.

No rádio, os marqueteiros da época, exibiam as suas qualidades de compositores e produziam músicas para cada concorrente. Nos jornais já havia a exibição da arte gráfica, embora o que mais chamasse a atenção fossem as entrevistas e reportagens tendenciosas (dependendo da cor política do periódico) com assertivas sobre aspectos da vida dos conpetidores políticos. E os comícios levavam às ruas centenas de curiosos (muito mais curiosos do que propriamente eleitores). A produção desses eventos transformava os discursos de palanques em festa popular, com direito a bandas de música ou, simplesmente, a presença de cantores e conjuntos musicais ligados ao “show business” onde eram propagadas as qualidades dos que a eles eram simpáticos ou mantidos através de cachês expressivos.

As marchinhas e sambas ligados aos postulantes dos principais cargos majoritários chegaram a ser memorizadas. Como a da campanha de Janio Quadros à presidência da república, apoiando-se no ícone anti-corrupção criado para isso: “-Varre, varre vassourinha/ varre, varre a bandalheira/que o povo já está cansado/de sofrer dessa maneira..” E no plano local o que se compôs para a eleição ao cargo majoritário de Magalhães Barata em 1950: “Magalhães Barata/pelo povo/por você,/ Magalhães Barata quer dizer/vitória/vitória do PSD...” Ou de Epilogo de Campos (CDP): “Dr. Epilogo/o Senhor vem completar/esse rol de coisas boas que nós temos no Pará.(...)”

Há casos em que a música surgia espontânea, sem ligação direta com o pleito eleitoral. É o caso da marchinha de Haroldo Lobo e Marino Pinto, “Retrato do Velho”, saudando a volta de Getulio Vargas ao cenário da política, após cinco anos exilado em São Borja (ITU-RS). O carnaval se apropriou da sua imagem e, pela voz de Francisco Alves (o intérprete), o povo repetia os versos e cantava: “Bota o retrato do velho outra vez/bota no mesmo lugar (...) o sorriso do velhinho faz a gente trabalhar...” Diz Flanklin Martins : “.... virou o slogan da volta de Getúlio a Presidência da República, numa campanha em que ele bateu com facilidade o brigadeiro Eduardo Gomes, mais uma vez lançado candidato pela UDN, e Cristiano Machado, lançado e cristianizado pelo PSD”. (...) Getulio ganhou fácil. Teve 48,7% dos votos, contra 29,6% dados ao Brigadeiro e 21,5% a Cristiano Machado.” (http://www.franklinmartins.com.br).

Quanto aos comícios, a presença nos palanques em lugares públicos quando ampliada ou em salões de clubes em reuniões restritas, era o modo de o eleitorada ver a imagem de seu candidato. Ou melhor, avaliar e escolher o concorrente a quem daria o seu voto, mediante a fisionomia e não só a oratória e, quando oportuno, a foto no jornal. Por isso havia toda uma “mise-en-scène” para apresentar o líder partidário de maior evidência ao eleitor. E tantas vezes a este se apegavam elementos mais ligados a determinado grupo (desde a época dos “coronéis” de pequenas comunidades) abraçando-os nos palanques como se fossem (e nem sempre eram) velhos amigos.

Hoje, a nova tecnologia de mídia tem dispensado muitos elementos do velho instrumental de campanha. Os índices da pesquisa de opinião, os debates televisivos, as entrevistas ao vivo, os programas eleitorais obrigatórios expoem os/as candidatos/as e suas campanhas a um amplo cenário. Por outro lado, o senso crítico do novo eleitorado passou a ter mais chance de se tornar acurado, possibilitando-lhe filtrar as qualidades e os defeitos de um contingente significativo de aspirantes aos cargos eletivos, tanto majoritários quanto proporcionais. A exigência de uma postura mais comprometida com o que cada um/a considera ser “política” tem criado uma reviravolta nas decisões do voto. Tornou-se mais difícil desconhecer programas e projetos que o/a candidato/a em seus “discursos” nos microblogs ou no horário eleitoral gratuito diz ter para o desenvolvimento social caso seja eleito. O interessante é a interatividade entre estes candidatos que estão preocupados em mostrar o capital social acumulado para assumir o cargo pretendido e as assertivas do eleitorado sobre a questão. Percorrendo o que está à disposição no mundo digital, o/a internauta se depara com um quadro interessante de “anônimos” respondentes, alguns agressivos, outros insólitos, outros aulicos e ainda outros com um palavreado chulo. Observa-se muitas vezes a “cara” da militância partidária de alguns, mas, na verdade, há um rito geral de ressalvas sobre a política eleitoral. Esse fato, a meu ver, evidencia um grau de interesse pela política aos que se dizem “apolíticos”. E esta é uma das qualidades da democracia na sua fase contemprânea: cada vez mais é possível desmascarar alguns atores em cena.

(Publicado em "O Liberal" em 02/09/2010)